Eu, que não sou mais eu ...
Sim, porque eu já fui eu . . . Mas cheguei à triste conclusão de que não sou mais eu. Meu nome, que por isso mesmo, já esqueci, não interessa mais a ninguém. Para um médico, sou apenas cliente. Num restaurante, sou freguês. Quando alugo uma casa, viro inquilino. Na condução sou passageiro. Nos correios, sou remetente. No supermercado sou consumidor. Para o Imposto de Renda sou contribuinte, Com o prazo vencido sou inadimplente e se não pago sou sonegador. Para votar, sou eleitor; mas no comício sou massa. Viajar? Viro turista. Na rua, caminhando, sou pedestre; e se me atropelam sou acidentado; No hospital viro paciente e para os jornais sou vítima. Se compro um livro, viro leitor; para o rádio sou ouvinte; para o Ibope, espectador e, para o futebol, eu, que já fui torcedor, virei galera. Para acabar com esse complexo... sim, porque estou complexado... aconselharam-me a procurar um terreiro. Mas foi tiro n'água. Assim que falei com o pai-de-santo, virei mi-zi-fi-i-nho. Já que, quando morrer, ninguém vai se lembrar do meu nome. Vão me chamar de finado, o extinto, o defunto e, em certos casos círculos, até de o desencarnado... E pensar que, no meu apogeu, já fui mais eu . . .